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L'AMITIÉ

MAURICE BLANCHOT
Gallimard 2071

Reflexões do Prof. Dr. João Ferreira Duarte sobre a tradução e os tradutores, na cerimónia de entrega do  Prémio de Tradução Literária Francisco Magalhães 2023

Maurice Blanchot publicou em 1971, incluído na obra L’amitié, um breve artigo intitulado simplesmente “Traduire”. Permito-me convocar este texto neste contexto porque ele me surge com toda a evidência como uma celebração da tradução e dos tradutores, esses “mestres ocultos da nossa cultura”, a par de poetas, romancistas e críticos. Celebração, sim, ou apologia, ou tão-só elogio; e tendo em consideração a última asserção do artigo – “traduire est, em fin de compte, folie” – um verdadeiro elogio da loucura.

Blanchot suporta a sua visão eufórica do traduzir numa leitura do famoso ensaio de Walter Benjamin “A tarefa do tradutor”, de 1923, uma leitura que se desdobra em dois momentos interligados e que designarei por uma teoria da tradução e uma teoria da linguagem.

No texto de Blanchot a teoria da tradução é apenas sugerida, permanece em grande medida num subtexto que é preciso recuperar, enquanto que em Benjamin ela é posta em primeiro plano ao longo do ensaio e pode ser resumida do seguinte modo: a finalidade da tradução não consiste na restituição do sentido, na reprodução dos significados do original. Ou seja, o tradutor não é o copiador servil de um original, um imitador, replicador ou restaurador de sentidos prévios, não é um mediador da comunicação, mas antes um sujeito criador. O texto traduzido, por outro lado, é um artefacto dotado de um alto grau de autonomia, intransitivo, que obedece às suas próprias leis semânticas e sintácticas e aos seus propósitos pragmáticos.

A este respeito, Benjamin inscreve-se numa conhecida tradição tradutológica germânica, desde Herder, August Schlegel, Schleiermacher, Goethe, até mais recentemente Antoine Berman, que privilegia a literalidade como meio de inovação e renovação da língua de chegada; em última instância, a  tradução é vista como parte do universo textual que compreende o Modernismo europeu contemporâneo de Walter Benjamin e por isso não admira que Blanchot coloque o tradutor-criador no mesmo plano que o poeta.

Por outro lado, o texto de Blanchot é bastante mais explícito quanto à teoria da linguagem que retira de Benjamin. Num primeiro momento, ele menciona brevemente a interpretação “clássica” do conceito de língua pura (reine Sprache) que é crucial na argumentação de “A tarefa do tradutor”: a língua pura seria afinal um avatar da língua original da tradição messiânica e cabalística, a língua primordial pré-babélica, na qual é possível alcançar a verdade interdita à multidão de línguas incompletas e imperfeitas consequência da punição divina. Ao tradutor caberia então o papel de unificador e harmonizador das diferenças tendo em vista o regresso do todo essencial.

Mas Blanchot rapidamente se apercebe de que “Benjamin sugere uma coisa completamente diversa”. É que, se é verdade que “o tradutor vive da diferença entre línguas” e que “toda a tradução se funda sobre esta diferença”, o que é também verdade é que “a tradução não se destina de modo nenhum a fazer desaparecer a diferença”.

 Neste ponto, resumir a complexa teia argumentativa de Walter Benjamin em que Blanchot se apoia seria despropositado e irrelevante. Vale, contudo, tentar seguir em modo simplificado a linha principal. As línguas assemelham-se no que representam referencialmente, mas diferem no modo como significam, ou dito no vocabulário de outro modelo teórico, diferem quanto ao jogo de relações diferenciais entre significantes e significados no interior de um sistema de construção de sentidos. Isto permite a Benjamin introduzir o outro conceito central de “A tarefa do tradutor”: o conceito de complementaridade das línguas (Sprachergänzung). As línguas existem numa relação de parentesco suprahistórica, diz ele, complementando-se para atingirem a totalidade das significações, ou seja, a língua pura. Aqui, porém, “língua pura” já não descreve uma essência teologicamente concebida, mas a totalidade do existente nas suas irredutíveis diferenças.

Sendo assim, pode Blanchot articular com elegância a sua teoria da tradução com a sua teoria da linguagem: o tradutor “é o mestre secreto da diferença entre línguas, não para a eliminar, mas para a utilizar, a fim de despertar e provocar na sua própria língua alterações violentas ou subtis, a presença do que há de diferente originalmente no original.”

Em suma, nesta perspectiva, não só o original deixa de ser uma identidade una e imutável, mas torna-se antes estrangeiro a si próprio, como o tradutor deixa de ser um copista invisível para se tornar num mobilizador e agente da diferença, enfim, o sujeito da generosa utopia da alteridade plena.

 

 

 

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